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LANÇAMENTO EM BREVE!

Eu, Farrapo!.

MACIEL FERREIRA DE LIMA

Esta obra revela-se com no mínimo uma dupla importância para o universo da dança.  O primeiro aspecto que eu destacaria é o fato destas páginas que se seguem carregarem em si a legitimação do fazer artístico em dança, da sua artesania, do suor e da fadiga vivenciados em sala de trabalho, mas sem deixar de relacionar esse fazer ao pensar. Trata-se de uma tarefa difícil registrar em palavras o que é vivenciado no corpo. O poema-movimento, tão fugaz e arisco, tenta ser traduzido em corpo-palavra e aqui se revela como um convite generoso ao compartilhamento de algo muito íntimo – um processo de criação em dança. A cada página é como se fôssemos seduzidos a uma espécie de voyeurismo instigante, olhar o processo por frestas, captar-lhe fragmentos, retalhos de um processo que não se faz só a partir da consciência de início da construção de “Eu, Farrapo!”, mas é um processo que se funde com a existência do próprio autor. Como nos diz o Merleau Ponty: “Pode-se, pois ao mesmo tempo dizer que a vida de um autor nada nos revela e que, se soubéssemos sondá-la, nela tudo encontraríamos, já que se abre em sua obra” (Merleau-Ponty, 1975, p. 126). E assim o faz Maciel, desnudando-se a cada página, revelando a alquimia existente entre arte e vida – dançando as verdades emanadas do seu próprio corpo e de sua própria história envoltas em uma belíssima dramaturgia construída com a colaboração dos talentosos parceiros Jailton Oliveira e Angélica Alves. Vamos perseguindo junto ao relato do autor os rastros e vestígios do processo de construção da obra, sem ocultar-lhe as preciosidades reflexivas, as camadas intuitivas, as dificuldades e os inacabamentos que nos sugerem novas possíveis obras ou ainda a constante transmutação de “Eu, Farrapo!” já que se faz como processo vivo e, portanto, infindável. Outro aspecto que destaco aqui é a própria temática – o mito-guia desta criação. Optar pela imagem de uma Pomba-Gira carrega muito além de uma escolha estética, ou de uma inspiração poética, mas revela também camadas políticas que se agregam a essa escolha. A negritude, a religião, a homossexualidade e tantas outras questões que se desvelam nessa obra artística de maneira corajosa e transgressora, desafiando com coerência e poesia um contexto branco e elitista que ainda se apresenta no cenário atual da dança. Sem fechar os olhos para as realidades excludentes, mas aqui ressaltando as atitudes que rasgam espaços possíveis, como um tecido que se esfarrapa revelando espaços “entre” e criando uma nova tessitura que revela os remendos e farrapos e a intensa beleza nele contidos. “Eu, Farrapo!” como obra dançada ou como obra escrita, cada qual com sua natureza singular, reafirmam a importância sócio-política-cultural do corpo dançante e nos desafiam a repensar dicotomias vigentes tais como a separação entre arte e ritual; entre o fazer e o pensar; e entre o viver e o dançar.

 

Kamilla Mesquita

Professora efetiva da Universidade Federal de Alagoas - UFAL​

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